domingo, 6 de julho de 2014

Batismal

dilapidar uma espera
varrer o pó, o esteio
o paradoxo das teias
aveludar a pele

Lou Vilela

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amazona


galope que a ti reporta
um tropel, peito aberto
este corcel tatuado

Lou Vilela

domingo, 29 de junho de 2014

Ossos


Desmembrar alguns versos
Dispor os anéis
Ensaiar múltiplos tons
Comer a carne das horas

Lou Vilela

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Zonas do silêncio

observar o limo
crescer
adornar a pele
incrustar sentidos
ecoar um cântico
de olvido
ser pedra

Lou Vilela

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Enredados



I
Ela traz em sua pele ancestral o teatro, o culto a Dionísio; eu, todas aquelas máscaras amalgamadas. Talvez, tenha sido um guerreiro cantado, recontado, dono de uma desconcertante objetividade. Talvez, nada nobre. Máscaras! Finda que as pendure, demonstre em cena, em cima, quando coros, entoados, formos um só: emoção! Não aquela coisinha insossa, fins de efeito moral – hipócritas! Ser Ilíada e Odisseia, parte umbral! Algo tangível, alternativo, interativo, de cunho social, alcunha desvalida – arte!

II
relógio que acorda
que desperta o passado
apesar de avançada a hora
que se nega
que não quer ir embora
: parados ponteiros
d’outrora

III
alimentava olhos tristes
dentes brancos
um gráfico senoidal
uma rede
um eco
dentro
entro
ntro…

IV
saída de um quadro
de Toulouse-Lautrec
– púrpura!
entre um trago e outro
cruzadas
um cabaré qualquer
Paris.
antes do beijo, do gozo
o ouriçar da pele
algumas chances
partidas
em telas.

V
éramos cactos e flores
sem jardineiras anis
nossos ares, distâncias
até tocarmo-nos naquele instante
capital
: crédito, 3 X
quando seguimos, cada qual
cartões, carteiras e nossos vasos
– paisagens

VI
desaguar
perder-se inteira
forjar-se
pedra, sabão
recomeços

VII
uma xícara trincada
tempo, apego
aquele quadro, esse nada
um eu além
quiçá um mote, sem conserto

VIII
tão querida quanto trêmula
não importava!
naquela idade
bom mesmo era poder quebrar
silêncios
foi assim o nosso encontro

IX
a moça da saia vermelha
nada me dizia
estava ali, impassível, em sua beleza ácida
queria voar
não havia asas
apenas poesia – ponte aérea
entre vãos
e todas aquelas vozes celulares
ar rarefeito unindo
motivos, vidas, saguão

X
as fraturas
e esta sensibilidade exposta, sonar
riem-se dos laços plácidos

XI
havia a história das corujas
vovó dizia: ‘rasgam mortalha’
e eu por um tempo acreditei
que não eram humanas

XII
ajoelhados em torta calmaria
ruminam, sobretudo, vendavais

XIII
como quem posta-se morto
o homem trabalha
volta à casa, come
transa, dorme
não acorda
trabalha…

XIV
Imoral é a hipocrisia que impera entre tantos;
são os dedos quebradiços da ética;
um olhar pseudo espanto [o ciclope em jardim panorâmico].
Imoral somos nós
mal fa(r)dados humanos;
são os monstros assíduos que criamos.
Imoral nossos atos impensados
pútridos paridos do descaso
sepulcros do que podia ser.

Lou Vilela

* Publicados originalmente na revista 'Diversos Afins',  86ª Leva » Janela Poética II.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Poemeus na 'Diversos Afins'

A 'Diversos Afins' nos entrega mais um lindo presente: a sua 86ª Leva, última de 2013. Estou muito feliz por fazer parte dessa edição, ao lado de tantos que admiro!  Aproveito a oportunidade para agradecer aos leveiros, Leila Andrade e Fabrício Brandão,  e para desejar um Feliz Ano Novo a todos!  

Lou Vilela


Imagem: Bruno Kepper

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Geometria dos da(r)dos


eu saberia, não fosse o silêncio
a exata distância entre os céus
de nossas bocas.

Lou Vilela

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Nós intangíveis

eu precisava
você queria
nos coube um (a)mar
todas as falas  que levam ali
dentro
cascata
nós intangíveis
pó de poesia
ressaca

Lou Vilela

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Evidências

A lâmina que suporta
[mais ávida, a língua]
desliza em zigue-zague
risca-me as vaidades
e as entranhas.

Lou Vilela

domingo, 3 de novembro de 2013

Outubro rosa

Foi-se!
Uma parte se toca
mutilada

: á_vida, grita!

Lou Vilela

domingo, 27 de outubro de 2013

Ausência

Os sinos, as casas compunham
o tempo, sem eira nem beira
pedaços de nós, de feiras;
fornadas de pães.

Pudessem, indagariam o vento;
reivindicariam os meios;
rasgariam as folhas.

As palavras silenciam,
mas não adormecem.

Lou Vilela

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Temporais do absurdo


quem chorará meus mortos
[perquiriu o personagem de patins
sobre a via esburacada]
quando me couber sorrir?

quem chorará a relva
atrasada no caminho?

os apressados a pisoteiam
os aluados a referendam [mas não cuidam]:
uma relva estática na folha
simbolizará o mundo?

quem chorará meus mortos
temporais do absurdo?

Lou Vilela

sábado, 14 de setembro de 2013

A Carlos Pena Filho

Marc Chagall

afloro sentidos
sou verde – meio e pasto
não raro, um desmantelo azul


Lou Vilela


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Poema sem título VIII


Multipliquei-me para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo.

(Álvaro de Campos)

bela e terrível
aquela expressão de assombro
invasão das camadas de incêndio

tudo era pouco, rude
um pulsar alegórico
de ausências

Lou Vilela

terça-feira, 30 de julho de 2013

Dos cantares



canto, pois, à despedida
em versos inexatos, em vão
obscuro, canto!
porque o momento é tênue
e a vida, sábia
sabia
sabiá

Lou Vilela



* Mais um poeminha que estará no Livro da Tribo, edição 2014/2015. 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Bordado

À Socorro Vilela, em memória.

Foto de arquivo pessoal.


teu gesto inacabado
riscou-me, vazio inclemente
até que a morte nos cinja ponto a ponto
celeste, azul puro, expoente

Lou Vilela


sábado, 29 de junho de 2013

Poema sem título VII



Pensava na opulência dos dias laranjas
Em meio aos cinzas
No ir e vir, na urgência
No desmantelo social

A cor em sobressalto

Alerta nada convencional

Pensava nos laranjas

No planalto endossado
Adoçado, lubrificado
Comendo a comoção nacional

E alguma gente que vai às ruas

Que vai às redes, mete a boca
Panfleta, esbraveja, mas não demove
(in)decisão, paletó, bicho-de-pé.

Lou Vilela



* Um dos poeminhas que sairá no Livro da Tribo, edição 2014/2015. 

domingo, 9 de junho de 2013

Felicidade gutural


Pierre Bonnard 1941 Le Nu Sombre
Pierre Bonnard 1941 Le Nu Sombre



bem quis
foi metáfora
impressionismo, demão
alargado sentido

asa

entre a.corda e o pescoço

Lou Vilela


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Relógio

Louise Bourgeois


era quase hora
saberia do canto, da robustez do diafragma
do espaço ocupado por coisas inúteis
dos segredos de cofre
em dedos de ébano e marfim

era quase hora
a palidez tamanha
na possibilidade corpulenta de um sim

o relógio desgastaria a máscara
resistência

era quase hora

Lou Vilela

sábado, 6 de abril de 2013

A dança das pedras

Trabalho do artista plástico Marcantonio*

à parte o silêncio, é sabido
as pedras compõem
sob ciclos
o movimento

Lou Vilela


*  "Exposição de artes plásticas ocorrida no Centro Cultural Correios no Rio de Janeiro, entre Maio e Abril de 2009. Trata-se de um trabalho do artista plástico Marcantonio, desenvolvido a partir da gravura "Melancolia" do artista alemão Albrecht Durer, que viveu no século XVI."

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Linhas da metrópole - cena II

Imagem de arquivo pessoal


o cão aproveita tempo ameno
fecha os olhos, adormece
não se percebe sereno

o homem observa, tem a posse
do cão, do espaço, do 'close'
e almeja bem maior

passa o tempo, a cena não acomoda
o cão, impassível, sai -- levanta
toma água, fareja, morde a calma
lambe, resoluto, aquela cara

Lou Vilela

terça-feira, 2 de abril de 2013

A_cor_da poesia

Vie Dunn-Harr


nos dias azuis pintavam
alguns retratos
rugas (im)perfeições
solas de sapatos
tudo em cores.

Lou Vilela

quinta-feira, 28 de março de 2013

Prelúdio para a salvação III

Graça Martins

vestiu aquelas cores
arrebatados verões
entre o nu e o parapeito
ousou, pistilo e nuvem

Lou Vilela

domingo, 3 de março de 2013

Sob a última camada de silêncio

Serhiy Reznichenko


pode ser que um dia me encontres
sob a última camada de silêncio
legitimes nossas feras
gozos e signos, amor

persigo as luas
alguns versos
um copo cheio, refratário
sede, espanto

o que estranho por volátil
em meus dedos
maculada, transitória
liberdade

Lou Vilela