terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Temporais do absurdo II

os deuses agitados de rancor e saliva
surtam, rumo à justiça, selam as mãos
sabem-se trevas

o ciclo não se rompe
a sociedade vai à missa
o Deus emana suas lágrimas 

banha-se, mais uma vez, a criação

Lou Vilela


sábado, 13 de dezembro de 2014

sábado, 1 de novembro de 2014

Adélia

em toda via haverá sacrifício
possível perdão
linhas tênues, limites

os deuses imperfeitos somos nós
consciências blindadas 
a história, o pecado

Deus não segrega!

observa-nos o amor e a caridade

Lou Vilela



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Mal de são


Que a noite silencie o grito,
refaça o sonho -- túmulos abertos.

Livres, despojados de nós,
sejamos, enfim!

Lou Vilela

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Menino carvoeiro

"Menino Carvoeiro" - Óleo sobre tela 50 x 60 cm - Osmar Bassi


O rosto carvoeiro escondido denuncia espanto;
os dentes, todas as alegrias infantis.

Gigantes, essas mãos desacostumadas
ainda sonham...

Lou Vilela

sábado, 23 de agosto de 2014

Os dias e as cores


amarela a cor que somei
desbota todos os dias

amarela a cor dos sonhos
dos dentes das farpas das fotografias

amarela o jornal quando exala o suor
das mesmas notícias

amarela o tempo, a têmpora muda
o carrasco que [a]trai e destrói

amarela o que não se aprende
o que não pulsa
o que aparentemente gira

Lou Vilela




sábado, 16 de agosto de 2014

Tormenta


conheci teu [a]mar, tua calmaria
teus altos [des]montes,
tua muda estação

tua boca, teus olhos, meus anseios
tua fala, tua foda, nosso óbvio
tesão

cometi o que não deu
abismo in confesso
pra reter

Lou Vilela

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Numa noite sem mesuras

pousava diante do fogo, insistia 
buscava  aquela sensação
sentir na garganta o travo  ranhura
mais um gole-poema

tudo que é belo perpassa – infinito
viola a tez, o silêncio
jorra! entre a razão e o peito

Lou Vilela

sábado, 2 de agosto de 2014

Olhos arrebatados pelo vento

hoje, choro o meu cansaço
exponho a ferrugem dos meus dentes
acendo um cigarro imaginário
posso, desde que integre o tempo

escapa-me a noção de ser-espaço
onde começo, onde termino
onde refaço-me
olhos arrebatados pelo vento

planto a minha aorta em apartamento
cubículos urbanos, somos guetos
estreitos, os corredores vão fechando
funil, filtros d’águas e folguedos

mas, se porventura, souber princípio
decerto toda graça escoará
por entre dedos, os nossos, nalgum lugar
elástico, universal, capitular


Lou Vilela

sábado, 26 de julho de 2014

Memória


lembro-me do azul
da irremediável alegria
da glória dos inocentes

não havia palidez
não havia rasgos 
não, não havia

havia vontades, [des]cobertas
erros, matizes, portais
nas papilas gustativas, o sumo
: sabor inaugural

Lou Vilela

sábado, 19 de julho de 2014

Escambos e frissons


I
Ora sépia, ora giz
a folha concede-se face
escancarada ausência.

II
Em vermelho, a poesia
propósito, latência
um tempo re(n)al.

III
Segue rápido, septado
um corpo ardido, traçado
décor marginal.

IV
Tanto há –- caminhos e passos
(in)oportunas partidas
falanges de aço.

Lou Vilela




quarta-feira, 16 de julho de 2014

Diário de uma notívaga IV

seguir
[não mais postergar]
expandir o silêncio

soerguer na matilha da noite
a paz necessária

Lou Vilela

sábado, 12 de julho de 2014

Germinar

rezava para espantar a ignorância
perguntava-se todo dia:  até onde?

costurava ficções
demarcava suas páginas
arrematava sins, senões
perguntava-se:  até quando?

bebia os mistérios

Lou Vilela

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Cores


As cores seriam inúteis, amada
não houvesse olhos de chuva
renitência, mar bravio.

Tudo o mais de pura inutilidade
não houvesse nós
tecidos rumo ao centro

: redemoinhos.

Lou Vilela

domingo, 6 de julho de 2014

Batismal

dilapidar uma espera
varrer o pó, o esteio
o paradoxo das teias
aveludar a pele

Lou Vilela

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amazona


galope que a ti reporta
um tropel, peito aberto
este corcel tatuado

Lou Vilela

domingo, 29 de junho de 2014

Ossos


Desmembrar alguns versos
Dispor os anéis
Ensaiar múltiplos tons
Comer a carne das horas

Lou Vilela

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Zonas do silêncio

observar o limo
crescer
adornar a pele
incrustar sentidos
ecoar um cântico
de olvido
ser pedra

Lou Vilela

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Enredados



I
Ela traz em sua pele ancestral o teatro, o culto a Dionísio; eu, todas aquelas máscaras amalgamadas. Talvez, tenha sido um guerreiro cantado, recontado, dono de uma desconcertante objetividade. Talvez, nada nobre. Máscaras! Finda que as pendure, demonstre em cena, em cima, quando coros, entoados, formos um só: emoção! Não aquela coisinha insossa, fins de efeito moral – hipócritas! Ser Ilíada e Odisseia, parte umbral! Algo tangível, alternativo, interativo, de cunho social, alcunha desvalida – arte!

II
relógio que acorda
que desperta o passado
apesar de avançada a hora
que se nega
que não quer ir embora
: parados ponteiros
d’outrora

III
alimentava olhos tristes
dentes brancos
um gráfico senoidal
uma rede
um eco
dentro
entro
ntro…

IV
saída de um quadro
de Toulouse-Lautrec
– púrpura!
entre um trago e outro
cruzadas
um cabaré qualquer
Paris.
antes do beijo, do gozo
o ouriçar da pele
algumas chances
partidas
em telas.

V
éramos cactos e flores
sem jardineiras anis
nossos ares, distâncias
até tocarmo-nos naquele instante
capital
: crédito, 3 X
quando seguimos, cada qual
cartões, carteiras e nossos vasos
– paisagens

VI
desaguar
perder-se inteira
forjar-se
pedra, sabão
recomeços

VII
uma xícara trincada
tempo, apego
aquele quadro, esse nada
um eu além
quiçá um mote, sem conserto

VIII
tão querida quanto trêmula
não importava!
naquela idade
bom mesmo era poder quebrar
silêncios
foi assim o nosso encontro

IX
a moça da saia vermelha
nada me dizia
estava ali, impassível, em sua beleza ácida
queria voar
não havia asas
apenas poesia – ponte aérea
entre vãos
e todas aquelas vozes celulares
ar rarefeito unindo
motivos, vidas, saguão

X
as fraturas
e esta sensibilidade exposta, sonar
riem-se dos laços plácidos

XI
havia a história das corujas
vovó dizia: ‘rasgam mortalha’
e eu por um tempo acreditei
que não eram humanas

XII
ajoelhados em torta calmaria
ruminam, sobretudo, vendavais

XIII
como quem posta-se morto
o homem trabalha
volta à casa, come
transa, dorme
não acorda
trabalha…

XIV
Imoral é a hipocrisia que impera entre tantos;
são os dedos quebradiços da ética;
um olhar pseudo espanto [o ciclope em jardim panorâmico].
Imoral somos nós
mal fa(r)dados humanos;
são os monstros assíduos que criamos.
Imoral nossos atos impensados
pútridos paridos do descaso
sepulcros do que podia ser.

Lou Vilela

* Publicados originalmente na revista 'Diversos Afins',  86ª Leva » Janela Poética II.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Poemeus na 'Diversos Afins'

A 'Diversos Afins' nos entrega mais um lindo presente: a sua 86ª Leva, última de 2013. Estou muito feliz por fazer parte dessa edição, ao lado de tantos que admiro!  Aproveito a oportunidade para agradecer aos leveiros, Leila Andrade e Fabrício Brandão,  e para desejar um Feliz Ano Novo a todos!  

Lou Vilela


Imagem: Bruno Kepper